Bruna Caetano, Jennyfer Felicio e Juliana Cavalli

Beatriz Souza é, com toda certeza, um dos maiores nomes brasileiros das Olimpíadas de 2024, mas alcançar esse patamar e deixar esse legado envolve muito esforço, investimento e talento. A judoca, que demonstrou grandeza no tatame e no choro de alegria após a vitória, mostra também a importância no investimento de atletas de alta performance, em um país cujo o povo se esforça todos os dias para continuar sonhando.

Foto: Alexandre Loureiro/COB

Ganhar uma medalha vai muito além de ser excelente, é também conseguir o respeito e inspirar a outros que, como Beatriz, sonham em alcançar o pódio. Porém chegar neste lugar não é simples de forma nenhuma, desde os treinos, os estudos, o trabalho e os campeonatos, existem dificuldades e barreiras a serem enfrentadas pelos atletas e isso se intensifica quando não conseguem o apoio necessário.

Representar uma nação vai muito além de talento nato, é também fruto de investimento e reconhecimento da importância de um atleta e da atividade esportiva como índices de valor de um país.

Os Jogos Olímpicos estão, com toda certeza, entre os momentos mais desafiadores na vida de um atleta, que dedica a vida toda para alcançar essa oportunidade . A formação de um atleta de alta performance demanda intensas horas de trabalho, e para oferecer isso aos nossos atletas o Brasil ainda precisa melhorar muito as condições de treino e premiações. A falta de investimento na categoria no Brasil é um obstáculo significativo para o crescimento esportivo e para o sucesso dos atletas brasileiros.

Uma tentativa de minimizar esse déficit, se dá pelos auxílios governamentais, como o Bolsa Atleta, iniciativa criada em 9 de julho de 2004, sendo o maior programa de patrocínio individual do planeta. Segundo a Agência Gov, ao longo desses 20 anos, o programa investiu mais de 1,5 bilhão de reais em mais de mais de 35 mil atletas que  foram beneficiados. Atualmente, os valores variam a depender do esporte a ser praticado, entre R$400, categoria base e R$1.025, categoria nacional, R$2.005 para o internacional, R$3.437 no caso de atleta Olímpico e Paraolímpico. Em caso de medalhas, os valores são entre R$5.543 a R$16.629.

É necessário um esforço conjunto entre o governo, as organizações privadas e a sociedade civil para garantir o suporte necessário, permitindo que os atletas brasileiros compitam em igualdade de condições com os melhores do mundo. Sem esse apoio, o esporte nacional continuará lutando para superar desafios que poderiam ser minimizados com atenção suficiente.

Essas nuances ficaram muito evidentes nas Olimpíadas de 2024 que acontecem em Paris na França, onde o Brasil conseguiu levar, pela primeira vez na história, uma delegação com o maior número de atletas mulheres sendo que duas alcançaram postos altíssimos graças a sua competência, talento e alto investimento. Elas são grandes exemplos de como ajuda financeira, incentivo e estruturas de qualidade podem levar atletas ao pódio.

Para além disso, essas atletas, que por coincidência são duas mulheres negras vindas de classes baixas e periféricas, são símbolos de resistência, elegância, garra e altivez.

Mas hoje vamos focar em uma atleta em especial, a primeira a ganhar uma medalha de ouro em Paris 2024, Beatriz Souza nascida em 20 de maio de 1998 na cidade de Itariri em São Paulo, ainda pequena, se mudou para a cidade de Peruíbe, junto com seus pais Solange Rodrigues de Souza e Possidônio José de Souza Neto. Beatriz se apaixonou pelo judô com 07 anos quando foi levada para assistir um treino com seu pai, por ser um judoca que chegou a participar de vários campeonatos nacionais serviu de inspiração para a filha. Logo começou a competir e se mudou para São Paulo capital para treinar com o time do Palmeiras e aos 15 anos venceu o Campeonato Pan-Americano Sênior de Judô no Panamá.

Foto: Alexandre Loureiro/COB

O judô é esporte olímpico desde 1964 e levou nosso país ao pódio 27 vezes, esse ano, o comitê levou 3 atletas negros, Rafaela Silva, Leonardo Gonçalvez e nossa vitoriosa da vez, Beatriz Souza. Um esporte asiático, criado nos primeiros 300 anos do século XX, e que exige um investimento financeiro em materiais e tempo de treino tem, na maioria dos seus participantes, pessoas brancas e de classe média. Um reflexo do racismo estrutural e do racismo explícito, como alguns atletas já relataram, que sofreram preconceito racial nas academias de treino e, muitas vezes, vindo da própria torcida. Como categoriza Sílvio de Almeida:

“uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento,
e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam
em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (p. 23).

ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, Coleção Feminismos Plurais, 2019.

Esse atravessamento do preconceito na prática esportiva, torna a conquista – não só de Beatriz, como de seus predecessores – um ato de inspiração, principalmente, a outras meninas e mulheres negras, que por vezes se encontram simbolicamente impedidas de sonhar com uma façanha similar. E quando levamos em consideração que estamos tratando de um corpo gordo, é que a dimensão dessa medalha alcança proporções ainda maiores, afinal, além da discriminação racial, milhares de pessoas testemunharam um corpo fora (do que é dito) padrão, levar alegria e inspiração a uma nação inteira.

Foto: Alexandre Loureiro/COB

Sua vitória pode ser vista como um ato de rebeldia sobre pessoas que mantêm o preconceito enraizado em suas mentes e não veem grandeza no trabalho de pessoas negras, já que um racista nunca consegue ver glória em cor, apenas o fracasso. E nas palavras da própria Beatriz:

“Nós somos muito mais fortes do que a sociedade pensa,
a gente não pode permitir que eles cresçam sobre nós,
nós somos iguais, somos muito fortes, guerreiros.
As nossas famílias mostram isso há muitos e muitos anos,
então temos que manter a história de ser guerreiros, grandes e vitoriosos”

____

Mediadoras do Setor Educativo do MM Gerdau, Bruna Caetano é estudante do curso de Artes Visuais da UEMG, Jennyfer Felicio é estudante do curso de Antropologia e Arqueologia da UFMG e Juliana Cavalli, estudante do curso de Letras da UFMG.

____

Referências:
ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, Coleção Feminismos Plurais, 2019.

CENTRAL PERIFÉRICA. A superação de barreiras através do esporte. Central Periférica, 27 jun. 2023. Disponível em: https://www.centralperiferica.org/post/a-supera%C3%A7%C3%A3o-de-barreiras-atrav%C3%A9s-do-esporte. Acesso em: 08 ago. 2024.

SILVA, E. “Espero estar abrindo portas”: Beatriz Souza fala sobre racismo, saúde mental e investimento no esporte. Disponível em: <https://almapreta.com.br/sessao/olimpiadas-2024/espero-estar-abrindo-portas-beatriz-souza-fala-sobre-racismo-saude-mental-e-investimento-no-esporte/>. Acesso em: 8 ago. 2024.