Um olhar museológico sobre a comunicação

O processo museológico que envolve a comunicação do acervo está imbricado no fazer museu. Esse processo é apenas uma das muitas técnicas de extroversão das coleções, que se desprendem da instituição e se transformam em artigos científicos, catálogos, exposições, materiais didáticos, vídeos, filmes, ações educativas e uma infinidade de possibilidades.

Nos museus, a principal forma de comunicação com o público é a exposição (CURY, 2005). Para a autora, é nas exposições que os visitantes têm contato com a poesia dos objetos. É no processo expositivo que o museu fomenta a relação do homem com o objeto e possibilita retirar dessa interação inúmeras e significativas respostas. É por meio das exposições que o museu apresenta o objeto em estado de dormência, ou seja, o objeto exposto e inserido no contexto museal tem parte de suas funções suprimidas para se tornar símbolo de um contexto e documento da história.

É nessa interação que o museu ganha força e se nutre da troca com o público, potencializando o valor das coleções e disseminando o conhecimento. A exposição entrelaça o visitante em suas múltiplas formas, tornando-o espectador, crítico e ator. Cabe aos profissionais de museus decupar as informações que consegue extrair desse fenômeno e retroalimentar o museu. Cabe ressaltar que a exposição é apenas um alicerce dentre tantos outros que compõem a musealização e a extroversão das coleções do museu. É a ponta do processo pela qual o público tem contato direto.

Marília Xavier Cury enfatiza que a museologia reserva aos museus a sua função de meio de comunicação. No sentido amplo, a autora argumenta que, para além da pesquisa e da conservação, os museus têm como ferramenta a comunicação para aproximar o público do patrimônio cultural do qual é o guardião.

Ao longo dos anos, os processos comunicacionais foram ganhando novas ferramentas e os suportes expositivos foram se modernizando. Nas últimas décadas, pode-se observar uma evolução na técnica de se comunicar as coleções dos museus. Muitas instituições passaram a usar o ambiente digital como um suporte ou até mesmo o principal vetor para promover a interação entre o público e as coleções. Como resultado, os museus tentam contar a história (local ou global) baseado não só apenas em coleções e textos, mas também ancorados em artifícios tecnológicos traduzidos a uma linguagem contemporânea.

Comunicar o acervo e aproximar o público: desafios da pandemia

Concomitantemente à evolução dos museus no processo comunicacional e expográfico, que naturalmente vem ocorrendo nas instituições do mundo todo, os museus tiveram e ainda têm um novo desafio pela frente. O cenário pandêmico, que acometeu todos os museus do mundo e fez centenas de milhares de profissionais de museus repensarem seus processos expográficos e comunicativos.
Para além das normas sanitárias de distanciamento e toque em superfícies, as instituições precisaram rapidamente repensar o formato de extroverter suas coleções e atrelar esse processo à comunidade que, no momento, estava (ou está) distante fisicamente dos museus. É nesse sentido que observam-se as exposições atreladas ao mundo digital e virtual.

Exposições e pandemia: uma proposta do MM Gerdau para continuar servindo ao público

O MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal foi aberto ao público em 22 de junho de 2010. É um museu de ciência e tecnologia que apresenta, de forma lúdica e interativa, a história da mineração e da metalurgia. Em 20 áreas expositivas, estão 44 exposições que apresentam, por meio de personagens históricos e fictícios, os minérios, os minerais e a diversidade do universo da Geociências.

O Prédio Rosa da Praça da Liberdade, sede do Museu, foi inaugurado em 1897, juntamente com Belo Horizonte. Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA), o edifício passou por meticuloso trabalho de restauro, que constatou que a decoração interna seguiu o gosto afrancesado da época, com vocabulário neoclássico e art nouveau. O projeto arquitetônico para a nova finalidade do Prédio Rosa, que já foi Secretaria do Interior e da Educação, foi feito por Paulo Mendes da Rocha e a expografia, que usa a tecnologia como aliada da memória e da experiência, foi de Marcello Dantas.

O MM Gerdau já recebeu mais de 1 milhão de visitantes, desde sua abertura em 2010, sendo mais de 241 mil pessoas apenas em 2019, ano recorde de visitação ao público. Ainda em 2019, o Educativo do Museu promoveu quase 1.000 ações, atendendo mais de 27 mil pessoas e 280 instituições escolares (públicas e particulares). Já a programação cultural ultrapassou 200 eventos no mesmo ano, com cerca de 76 mil participantes. Neste período, o MM Gerdau também realizou oito exposições de curta duração, incluindo duas itinerâncias pelo interior de Minas Gerais.

Com a instituição da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, o MM Gerdau fechou suas portas ao público em 17 de março do mesmo ano e, já em abril, iniciou o processo de migrar as ações culturais e educativas para os ambientes virtuais. Só em ações educativas realizadas nas redes sociais do museu em 2020, foram 52 atividades e um público de mais de 19 mil participantes. Entre pessoas alcançadas nas redes sociais do Museu, considerando todas as ações realizadas em 2020, o Museu levou seu conteúdo digital a mais de 4 milhões de pessoas.

Uma das iniciativas digitais do MM Gerdau em 2020, buscando extroverter sua coleção para além dos muros do icônico Prédio Rosa, foi a entrada na plataforma Google Arts& Culture, em julho daquele ano. A primeira exposição de lançamento na plataforma digital foi “Diversidade Mineral”. Ela apresenta parte do patrimônio geológico do Museu, que possui cerca de 4.250 amostras, sendo 1.300 em exposição e 2.950 em reserva técnica e compreende amostras do antigo Museu de Mineralogia Djalma Guimarães (hoje extinto) e aquisições próprias. A exposição virtual traz mais de 50 imagens de amostras minerais de beleza única, formas impressionantes, acompanhadas de informação científica e curiosidades muito peculiares. A curadoria do projeto Google Arts & Culture é coletiva e envolve boa parte da equipe do MM Gerdau. Os setores envolvidos são Comunicação, Museologia, Educativo, Geociências e Direção.

Na sequência, em setembro de 2020, celebrando a 14ª Primavera de Museus, cujo tema foi “ mundo digital: museus em transformação”, o MM Gerdau lançou mais duas exposições na plataforma, desta vez ligadas ao edifício histórico que abriga o Museu: “O Prédio Rosa: patrimônio, memória e arquitetura” e “Por dentro do Prédio Rosa: detalhes da restauração” revelam detalhes, simbolismos e a arquitetura e restauração de um edifício de 1897 muito presente na história e na memória de Belo Horizonte.

O ano de 2020 encerrou com três exposições virtuais no Google Arts & Culture com mais de quatro mil visualizações. Até março de 2021, já são mais de 5.400 acessos na plataforma. Das exposições disponíveis, a mais acessada até a escrita deste artigo é “Diversidade Mineral”, reforçando a importância do acervo do Museu e a relevância da sua divulgação digital. Ao longo desse tempo, as exposições já foram acessadas virtualmente em todos os continentes do mundo, em mais de 30 países.

Em abril de 2021, o MM Gerdau lançou mais uma exposição no Google Arts & Culture destacando seu acervo. Desta vez, o Museu mostra uma seleção com alguns dos minerais-gema mais icônicos do Brasil. “Brasil precioso: a riqueza dos minerais-gema” apresenta uma pequena amostra da grande variedade gemológica encontrada em território brasileiro. Com esse recorte, o MM Gerdau exibe, novamente, parte do seu acervo com o propósito de apresentar o Brasil como um dos maiores exportadores de minerais-gema do mundo, e como local de primeira ocorrência de alguns tipos de minerais-gema como brazilianita, euclásio e turmalina paraíba. A produção de pedras preciosas no Brasil é feita especialmente por garimpeiros e ocorre disseminada em diversos estados como, por exemplo, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Tocantins e, principalmente, em Minas Gerais, de onde vem a maior variedade de minerais-gema.

Breves considerações

Durante sua década de funcionamento, o MM Gerdau adotou uma série de estratégias de comunicação da sua coleção. Desde ações educativas até exposições itinerantes, que levaram o acervo para outras regiões do estado. No contexto pandêmico, o maior desafio do museu foi ressignificar suas formas de aproximação com o público e extroversão das suas coleções.

Como um museu de ciência, a maior incógnita era como comunicar e expandir o campo informacional das coleções no formato digital? Como uma coleção poderia atingir o seu objetivo em formato digital?

Nesse sentido, depois de muitas análises e estudos preliminares da equipe, julgou-se importante a inserção da coleção em um ambiente virtual. A proposta de ressignificação do ambiente do museu teve como objetivo a ampla divulgação da coleção e a sua apresentação em diversas curadorias, que explorassem o vasto campo informacional das peças.

Todo o processo narrado brevemente neste artigo faz parte de um experimento. Os museus e a museologia evoluíram e se transformaram durante séculos e essa nova experimentação faz parte desse processo contínuo.


Carlos Augusto Ribeiro Jotta – Doutorando em História e Mestre em Ciência da Informação, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Museólogo pela Universidade Federal de Ouro Preto. Atualmente é Coordenador de Museologia do MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal.

Paola Oliveira – Especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Integrada pela PUC Minas, jornalista pelo Centro Universitário Newton Paiva. Atualmente, é Assessora de Comunicação do MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal.

Referências:
BRULON, Bruno. Passagens da Museologia: a musealização como caminho. MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO, v. 11, p. 189-210, 2018

CURY, Marília. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume, 2006.

CURY, Marília Xavier. Novas perspectivas para a comunicação museológica e os desafios da pesquisa de recepção em Museus. Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola, vol. 1, p 269-279.

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de Museologia. Tradução: Bruno Brulon Soares, Marília Xavier Cury. ICOM: São Paulo, 2013.

Revista Museu