Jennyfer Felicio e Juliana Cavalli

A história do Brasil possui personagens comumente invisibilizados em detrimento de outros. Diante da necessidade de ampliar os discursos e narrativas menos conhecidas, o MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal publica uma série de textos com a temática: “Pessoas negras ícones da abolição da escravatura”, em homenagem e respeito ao 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura. O objetivo é trazer à luz breves biografias desses personagens e sua relevância histórica. Nosso texto de estreia apresenta as histórias de Zumbi e Dandara dos Palmares.

A diáspora africana remonta um período histórico colonialista, quando milhões de africanos foram sequestrados de sua terra mãe e trazidos para um mundo desconhecido, a fim de terem sua força de trabalho e intelecto usurpados. Durante séculos, essa população contribuiu para a construção do país e para a manutenção do poder de seus executores. Inevitavelmente, grande número de negros africanos contribuiu, de várias maneiras, à sociedade brasileira, influenciando diversos aspectos culturais e sociais.
Entre o final do século XVI e o século XIX, grande parte dos africanos escravizados trazidos para o Brasil eram os Bantos, dos quais a maioria tinha origem de Angola, Moçambique e Congo. O povo Banto é, desde o princípio, símbolo de resistência, sendo os principais responsáveis pelas criações de quilombos, territórios fundamentais para o início da luta abolicionista no Brasil.

É importante identificar o poder de agência das comunidades e dos quilombos ao resistirem às diversas formas de violência e opressão e lutarem contra a escravidão. Eles utilizavam diversas táticas, que desafiavam o sistema e a hegemonia dos portugueses. Essas estratégias permaneceram na memória coletiva e se modificaram com o tempo, formando o que Lélia Gonzalez chama de “tecnologia ancestral”.

Os quilombos, comunidades autônomas de fugitivos, ofereciam refúgio, segurança e autonomia para os escravizados fugidos e se tornaram centros de resistência e ocupação negra. Dois dos principais nomes desta época foram Zumbi dos Palmares e sua esposa, Dandara, líderes do Quilombo dos Palmares, um dos maiores e mais potentes marcos da luta contra a escravidão no Brasil, que resistiu durante 100 anos e, segundo estimativas, contou com uma população estimada entre 5 e 30 mil pessoas (LARA, 2021).

Representação de Palmares. Georg Markgraf, 1647. Registro Nacional de Objetos Digitais

Muito se construiu no imaginário coletivo sobre essas duas figuras importantes para a comunidade negra, afinal, por algum tempo, a figura controversa de Zumbi não era sequer vista e, quando se, a imagem era a de um delinquente. Entretanto, as lideranças de Zumbi e Dandara foram fundamentais para a propagação do ideal de liberdade e de resistência do povo preto contra os mecanismos coloniais, que hoje sabemos que se deflagram no racismo. Segundo Celia Maria Marinho de Azevedo (1988), o temor branco e os preconceitos raciais persistiram por meio de narrativas, discursos e representações que mostram o negro como perigoso, agressivo, violento, entre outros estereótipos negativos, uma narrativa criada e presente desde o período colonial (AZEVEDO. et al, 1988).

Residente no estado de Alagoas, em específico na Serra da Barriga, Zumbi foi considerado o último líder do Quilombo dos Palmares, precedido por seu tio Ganga Zunga. O local chegou a contar com 30 mil habitantes, que viviam de acordo com os costumes de seu antigo continente: “O quilombo dos Palmares foi um Estado negro que se assemelhava aos muitos estados que existiram na África.” (Edson Carneiro) Ele também incentivava a fuga dos negros escravizados para o quilombo, além de articular ataques e defesas provindas dos europeus. Até que, em 20 de novembro de 1695, aproximadamente, Zumbi foi traído por integrantes de sua própria comunidade, que fizeram acordos com os portugueses e assim entregaram seu líder para que fosse morto e decapitado em praça pública.

 

(João do Rego anuncia a captura de Zumbi. Biblioteca Nacional)

Por isso, em 2011, o dia 20 de novembro se tornou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Já Dandara, apesar dos poucos registros encontrados, e por isso até questionam sua real existência, é tida como uma guerreira e líder ao lado de Zumbi. Era capoeirista e sua vivência no quilombo viria desde a infância. Entre suas funções, além de estrategista durante os ataques portugueses, era também de manutenção da rede de afeto da comunidade. Sua honradez acompanhou sua trajetória até a sua morte. Acredita-se que, quando o quilombo foi invadido, ela optou por findar com sua própria vida, ao invés de voltar a ser escravizada.

Compreender a ancestralidade africana é reconhecer e celebrar a riqueza da diáspora, que remonta à sobrevivência do povo negro no contemporâneo. Entendendo que as lutas que se iniciaram com Dandara e Zumbi (e outros) e nos influenciam até hoje. Salve, Dandara e Zumbi!

 

Zumbi dos Palmares. Antônio Parreiras, 1927.

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Mediadoras do Setor Educativo do MM Gerdau, Jennyfer Felicio é estudante do curso de Antropologia e Arqueologia da UFMG e Juliana Cavalli, estudante do curso de Letras da UFMG.

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Referências:

AZEVEDO, C. M. M. (1987). Onda negra, medo branco; o negro no imaginário das elites século XIX Rio de Janeiro: Paz e Terra.

C MARA DOS DEPUTADOS. Lei torna feriado nacional o Dia 20 de Novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/1029291-lei-torna-feriado-nacional-o-dia-20-de-novembro-dia-nacional-de-zumbi-e-da-consciencia-negra/>. Acesso em: Acesso em: 11 abr. 2024.

DOS, Z. Zumbi dos Palmares – TV Câmara. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/tv/177177-zumbi-dos-palmares/>. Acesso em: 11 abr. 2024.

GELEDÉS. Zumbi Vive. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/zumbi-vive-2/>. Acesso em: Acesso em: 11 abr. 2024.

GELEDÉS. 321 anos de imortalidade: Zumbi. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/321-anos-de-imortalidade-zumbi/>. Acesso em: Acesso em: 11 abr. 2024.

GELEDÉS. Invenção de Zumbi, por Sueli Carneiro. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/invencao-de-zumbi-por-sueli-carneiro/>. Acesso em: Acesso em: 11 abr. 2024.

Zumbi dos Palmares: símbolo brasileiro da resistência e luta contra a escravidão. Disponível em: <https://www.educacao.sp.gov.br/zumbi-dos-palmares-simbolo-brasileiro-da-resistencia-e-luta-contra-a-escravidao/>. Acesso em: 11 abr. 2024.

‌‌GONZALEZ, Lélia. Tecnologias de Gênero: Rearticulando a Relação Ciência, Tecnologia e Gênero. Rio de Janeiro: Editora 34, 2014.

Mulheres na História do Brasil: Dandara dos Palmares. Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br/nugen/2023/07/21/mulheres-na-historia-do-brasil-dandara-dos-palmares/>. Acesso em: 11 abr. 2024.